Os clássicos, possuem qualidade técnica invejável, Kate Bush, Sinead O' Connor, David Bowie, porém, além de apuro técnico invejável tais artistas possuíam algo que os diferenciava: espírito. Mas e quando um artista só tem espírito?
Blood Red Shoes, uma dupla britânica, formada em 2004 por Steven Ansell e Lara-Mary Carter, não possuem grande qualidade técnica. Steven não é um baterista excelente (mesmo em momentos que não divide a bateria com os vocais) e Lara-Mary também não é uma excelente guitarrista. Mas o que chama atenção na dupla é o espírito. E isso torna o duo inglês muito semelhante ao duo americano The White Stripes (apesar de o Jack White ser um grande guitarrista e pianista). Porém, somente em espírito as duplas são comparáveis, pois musicalmente os dois são muito diferentes.
As duas bandas se diferenciam em um detalhe: enquanto The White Stripes segue uma linha mais experimental, Blood Red Shoes é tradicional. São raras as músicas do duo britânico que incluam outros instrumentos que não a guitarra e a bateria, aliás, no álbum de nossa análise é somente esses os instrumentos utilizados e são suficientes para garantir vigor.
O cd é rápido, visceral, sem vírgulas. Gosto de comparar esse cd com uma maratona, onde os atletas correm, e dispõe durante a corrida de pontos de distribuição de água, porém, mesmo nesses pontos nunca param de correr. É assim que vejo Box Of Secrets. As músicas não dão tempo para respirar, porém, nunca se tornam sufocantes e até as mais lentinhas como "This is not fot You" não dão trégua.
Mas o cd inicia-se com "Doesn't Matter Much", que é exemplo também de música lentinha, mas nem tanto e é como a largada da maratona, é um momento de concentração até o grande memento. A música tem tom de conselho: seja quem você quiser ser e encontre razões para viver, que torce para que o filho não se torne aquilo que ele não é. E as letras são realmente minimalistas, aliás, a banda deixa bem claro, não se importe com as letras e sim com o som. Muito porém as letras parecerem criar uma história fragmentada. Impressão que fica nas letras das música "You Bring Me Down" e "Try Harder". Portanto, a caixa dos segredos pode sim trazer de fato o segredo na soma das letras. Veja que algumas letras ecoam como pistas:
" We´ll take some measurements and work it out with the sums"
E essa dúvida de se há um segredo ou não para ser desvendado torna o cd algo realmente único. E as somas nas letras tornam tudo cheio de sentido. Como um grande protesto à mídia, aos protocolos sociais. Sim, isso é muito punk. E o pulsar das letras que parecem gritadas de um megafone para as pessoas na rua dão um toque de personalidade a mais. O punk-post rock da banda é de altíssima qualidade sim, porém, assim como The White Stripes ou Sex Pistols, desprovido de técnica. E o álbum segue sua constante e desesperadora e enigmática maratona com "Say Something, Say Anything" com um dos melhores refrões do disco e "I Wish I was Someone Better" que te convida a chacoalhar incessantemente a cabeça com guitarras rápidas e desesperadas!
Se lembram do copo d'água? Pois é, "Take the Weight" é a primeira dos pontos e a música com seus pouco mais de quatro minutos é exatamente isso, um momento para respirar, porém o refrão nos lembra que ainda estamos numa corrida, e as críticas ainda são disparadas, contra o capitalismo, aos modismos, aos meios de comunicação. "A.D.H.D" (sigla em inglês para a mal de déficit de atenção causada por hiperatividade) talvez seja a resposta para a maratona:
"Now, now, now, now, boy!
Hearing everything so faster!...
Now, now, now, now, boy!
Giving myself a heart attack"
"This is Not for You" reforça minha teoria, e a bateria bate e o rock se intensifica. Tudo volta a bater com força total, e sim, as músicas continuam animando, porém parece estar começando a cansar e aos poucos, após o desgaste físico, os atletas começam a economizar energia para poderem concluir a exaustiva prova. E lá vem mais um copo d'água "It's Getting Boring by the Sea" segue o mesmo padrão de letra minimalista e cheia de críticas a vida calma de uma cidade, então dizem apaixonados em coro que precisam correr como nunca e mudar o cenário (preciso dizer algo?). E a parcela de hard rock do cd fica para "Forgive Nothing" mais harmonizada, porém não menos veloz. Para finalizar a maratona "Hope You´re Holding Up" e assim o merecido descanso.
Blood Red Shoes não é inovador, não são os melhores instrumentistas. Porém eles cantam (gritam muitas vezes) aquilo que eles sentem, sem se importar com letras de métricas regulares e protocoladas. Não se intimide com o ritmo acelerado das canções e se divirta no mais verdadeiro rock, porque essa é a essência do rock: as vozes de protesto, de insatisfação, do descompromisso, mas ainda assim, do divertimento, da juventude. Portanto, tratem de ir atrás de conhecer esse ótimo trabalho.
Ouça sem parar:
"I Wish I Was Someone Better" / "You Bring Me Down" / "Try Harder" / "A.D.H.D"
Ficha técnica:
Gravadora: Mercury Records
Gênero: Punk Rock/ Post Rock/ Hard Rock
Ano: 2008
Nota: 8,75
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