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domingo, 12 de janeiro de 2014

Análise: Peter Gabriel Tribute Album: And I'll Scratch Yours (2014)


Eu tenho uma relação diferente com cada artista que conheço. Algumas se tornam miscelâneas na minha vida, como Pitty, que, além de ser música para ouvir, foi música para viver. Kate Bush era música para apreciar, como um bom vinho, e foi dessa apreciação que ramifiquei meus gostos. Within Temptation, Placebo, Little Boots são exemplos de músicos atuais cuja aproximação tive a partir da rainha do pop inglês. Depois de mais degustações fui conhecendo toda uma geração de artistas que estiveram lado a lado com Kate Bush, eles são: Pink Floyd, Sinead O´Connor, Sex Pistols, Genesis são alguns exemplos, e claro, que dentre eles está Peter Gabriel. Confesso que a carreira solo dele não me interessou de imediato, mas aos poucos, ao adquirir maturidade, fui mudando e "abrindo" os ouvidos. Revisitei canções que antes me pareciam incoerentes e que a partir desse amadurecimento se encaixavam muito bem no contexto! E me lembro que foi na mesma época que meu interesse por Velvet Underground e Lou Reed aumentaram.

Deixando as divagações de lado, depois de quase 50 anos de carreira (contando com o Genesis), 47 para ser mais exato, Peter Gabriel é um daqueles artistas visionários. Sempre preocupado com a estética das canções, com as letras cheias de referências políticas, acontecimentos históricos, filosofia. E"And I'll Scratch Yours" tenta capturar em 12 músicas a essência desse grande artista. E para isso foram chamados outros monstros da música para elencar os trabalhos.

A primeira faixa, protagonizada por David Byrne, "I don´t remember", já mostra que o tributo focará nos trabalhos de Peter Gabriel durante seu período mais folclórico da World Music, e é graciosamente cantada por um outro ícone e colaborador do gênero, grande sacada. A música se desenrola com cara de anos 80 com levadas dançantes, barulhos de palmas. Byrne usou toda sua experiência na Worldbeat e new wave para criar uma ótima adaptação.

Seguida de "Come talk to me" numa interpretação da banda de folk norte-americana Bon Iver, ganhadora de dois Grammys no ano de 2012. O instrumental e os vocais são bons mas não impressionam, fazendo somente uma re-ambientação pouco convincente. Dentre as músicas deste tributo, ouso dizer que essa é a pior.

Após, temos os vocais sempre doces de Regina Spektor, outra revelação, que agora fazendo jus ao buzz criado em torno de sua carreira, interpreta com delicadeza "Blood of Eden", que originalmente é um dueto do homenageado com Sinead O' Connor. O anti-folk da russa é realmente incrível. Na carreira, ela é conhecida por suas letras que englobam, principalmente, referências bíblicas e judaicas. Por isso a escolha parece natural. E está entre as melhores do disco. E o mesmo sentimento segue com "Not one of us" genialmente traduzida por Stephin Maritt, com uma ótima levada Synth pop.

Então "Shock the Monkey" é a segunda investida folk do disco e mais uma vez não corresponde ao esperado. Os vocais de Joseph Arthur são harmoniosos, a guitarra é atmosférica, um pouco desafinada para dar personalidade, mas mesmo esses aparatos não fizeram a música interessante, tudo me pareceu peças mal encaixadas num todo que acaba virando inexistente.

De revelações como Arcade Fire...
Randy Newman chega detonando tudo em seus pianos bem arranjados com a música "Big time", o vencedor de 5 Grammys, indicado 18 vezes ao Oscar (ganhador de dois) trouxe um ar roots para os trabalhos. Personalidade que transpira em sua voz é sempre um acontecimento, não tinha como dar errado, e não deu.

"Games without frontiers" não teve grandes alterações na versão do Arcade Fire. Ela ficou um pouco mais compacta que a original. A música fala sobre as relações internacionais que em 1980 não estavam bem, a União Soviética tinha acabado de invadir o Afeganistão (1979), o que acabou culminando em um boicote às Olimpíadas que no ano seria realizado em Moscou. Os jogos são conhecidos por serem uma celebração da união entre os povos do mundo. Fato que foi lembrado por Peter Gabriel no clipe da música. Aproveitando o gancho, as Olimpiadas de Sochi estão ameaçadas, umas vez que as relações internacionais não vão nada bem. Será que 2014 será marcado por um novo boicote às Olimpíadas? A história sempre teve esses momentos cíclicos. É esperar para ver!



Dando sequência, chegamos à intimista "Mercy Street", interpretada pela consistente banda Elbow e os vocais de Guy Garvey, muito emocionados como sempre. É um grande destaque da homenagem e mantêm os trabalhos interessantes. Brian Eno em "Mother of Violence", aos sons de tiros, traz à tona o seu trabalho de anos, com ambient music, rock experimental essa é especialmente recomendada ouvir nos fones de ouvidos, no escuro e "pirar".

A primeira música que ouvi (devido minha paixão por Kate Bush) foi "Don't Give Up" (seguida de Games without frontiers" pelo mesmo motivo) e Feist não faz feio, a música é relaxante e tem participação de Timber Timber e finalmente o folk deu certo, já estava preocupado. Os violinos da banda Timber Timber também estão muito legais.

...até veteranos como Lou Reed
Solsburry Hill na voz inconfundível de Lou Reed, e o pós punk do art rock (ao qual Peter Gabriel fez parte, sendo "parceiro de cena) dá as caras com dramatizações pertinentes às letras que descrevem os pensamentos de um homem angustiado, da rotina pertubadora, o coração e o "bum bum bum". Tudo é muito teatral, e temos mais uma escolha realmente pertinente.

E chegamos à última música e "Biko" que conta a história de Steve Biko, ativista que lutou contra o apartheid, foi preso em 1977 e morreu, conforme versão policial, de greve de fome. Homenageado por Peter Gabriel (que também é um grande ativista pelos direitos humanos). Paul Simon fez um bom trabalho, com guitarras perfeitinhas como sempre.

Os trabalhos, todos, foram muito bem produzidos e encaixados. Não dá para negar que senti falta de "Sledgehammer" e de David Bowie e Radiohead, uma vez que se trata de uma continuação de Scratch my back (2010), e que todos os artistas participantes do tributo foram cantores que receberam versão de suas músicas  na voz de Peter Gabriel, que na ocasião interpretou "Heroes" e "Street Spirit (Fade Out)" . Ficou um vazio. Mas o que foi entregue é suficientemente convincente e interessante. Para os ouvintes veteranos, esse não é o tributo definitivo. Mas para novos ouvintes, existem opções bastante atraentes para conhecer os trabalhos de Peter Gabriel. Recomendo fortemente que todos ouçam essa homenagem.

Ouça sem parar: 

Blood of Eden; Mother of Violence; Not One of Us

Ficha técnica:
Gravadora: Capitol
Gênero: Pop/ Rock/ Folk/ World Music
Ano: 2014
Nota: 8,25

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